terça-feira, 25 de agosto de 2009

de viver aos poucos.

Dia desses uma amiga ao me falar de outra que há pouco tempo passara por uma perda muito grande, citou a seguinte frase: “ela está vivendo os pouquinhos”. E isso me fez pensar. Não somente por eu ser uma pessoa reflexiva, pois de fato tudo me instiga o pensamento, mas pela frágil densidade que isso me representou.

Que seria viver aos poucos? Penso na dificuldade em ir de vagar quando tudo passa tão depressa por nós. Em tempos assim tudo parecer transcender um pouco ao real.

Essa amiga então que falávamos, perdeu recentemente a referência que todos temos de família. Perdeu talvez o chão que lhe mostrou tantas vezes a velocidade dos passos que devia dar. Perdeu para a morte, vivendo no ritmo que a vida lhe impôs viver.

Lembro-me agora de um dos títulos mais brilhantes da história do cinema: “A Insustentável Leveza do Ser“. Filme de Phillip Kaufman (1988) cuja trama pouco tem a ver com a história dessa amiga minha, no entanto ambos os protagonistas sentem suas angústias em meio a um turbilhão de vozes – ele na invasão soviética em 1968, ela na volatilidade de 2009 – ambos no âmago de suas existências.

Ela então optou por viver aos poucos, ele eu não lembro.
Mas que “viver aos poucos” signifique recomeçar, reerguer-se, colocar-se a postos de novo. Porque realmente correr com a vida é coisa perigosa. Trocam-se os pés, tropeça-se nas pedras e ela parece continuar passando. Deixando-nos cada vez mais mortais frente ao imediatismo da vida.

Vivamos aos pouquinhos então, vivamos mais longe quem sabe... Parece assim, mais fácil sermos de fato mais humanos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

saudades...

Hoje acordei sentindo saudades de um lugar estranho, como se pessoas desconhecidas me fizessem falta. Sentia um cheiro que lembrava alguma coisa distante e me levava pra um tempo de nostalgias. Era como se em meu peito milhões de lembranças começassem a brotar. De um brinquedo velho, de um sabor misturado, de um abraço encaixado, das roupas de verão.

Talvez meu sono tenha se perdido por isso. Um desconforto, um descontento. Os lençóis pareciam revirados, o pijama me apertava como um grito contido. Era um sentimento latente, um sentimento que saía dos pensamentos mais do que do coração. Era uma sensação estranha, uma saudade de coisas que eu não vivi.

Acordei assim, em meio a um céu cinza e encoberto de melancolias.
Acordei assim, mesmo sem ter dormido.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ando tão à flor da pele...

“Ando tão à flor da pele” que meus sentimentos parecem táteis e aveludados. Meus pensamentos mais acelerados e poluídos. Como o trânsito de automóveis na metrópole e das crianças pelo mundo.

Zeca Baleiro chegava a “chorar com um beijo de novela”... Minha intensidade não chega aí, aliás, pouco tenho visto novelas. Fico no meu mundo de idéias e formas pouco ajustadas para mim. Extravaso aqui e pisando firme no chão. Num livro aberto em cima da mesa ou num copo de cerveja.

“Ando tão à flor da pele” que sinto pulsão em meus instintos e minha vontade parece deixar a consciência se esconder em jargões. Minhas unhas vermelhas já não fazem mais sentido, nem minha prece por um desejo vazio e mal acabado.

“Ando tão à flor da pele” que meus olhos parecem não confiar mais em mim. A miséria já não me comove mais e a liquidez das relações me dá enjôo.Tenho chutado pedras na rua sem me importar com a direção.

“Ando tão à flor da pele” que perco o rumo por um segundo e meus ideais com a ventania nas ruas. Assisto patologias de um tempo passado a me perseguirem como se quisessem me avisar de alguma coisa. Como se fossem coletivas ao mundo todo. E interiores só a mim.

“Ando tão à flor da pele” que este momento parece nunca acabar.



"Ando tão à flor da pele que meu desejo se confunde com o vontade de não ser"

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Esquadros


Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome. Cores de Almodóvar, cores de Frida Khalo, cores. Passeio pelo escuro, eu presto muita atenção no que meu irmão ouve. E como uma segunda pele, um calo, uma casca, uma cápsula protetora. Eu quero chegar antes pra sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus. Eu ando pelo mundo divertindo gente chorando ao telefone, e vendo bater a fome nos meninos que tem fome.

Pela janela do quarto, pela janela do carro, pela janela. Quem é ela, quem é ela? Eu vejo tudo em quadrado, remoto controle.

Eu ando pelo mundo e os automóveis correm para quê? As crianças correm para onde? Transito entre dos lados, de um lado, eu gosto de opostos, exponho meu modo, me mostro, eu canto para quem?

Eu ando pelo mundo e meus amigos cadê, minha alegria, meu cansaço. Meu amor cadê você, eu acordei, não tem ninguém ao lado.

Adriana Calcanhoto